“Trabalhamos durante meio ano sem saber qual vai ser o preço”

Gonçalo Piscalho foi o grande vencedor do prémio para o melhor melão de Alpiarça. O prémio foi atribuído no decorrer do Festival do Melão que se realizou no Parque do Carril. Em entrevista a O Alpiarcense o produtor revela-nos quais os segredos para se ter um produto com qualidade de excelência.

Que reação é que teve ao prémio que conquistou recentemente com a eleição do melhor melão aqui no concurso de Alpiarça?
A reação é sempre positiva. Receber um prémio é sempre positivo, mas a nível de prémio pessoal é um bocado diferente de uma conquista pessoal. Representa mais a qualidade daquilo que temos na nossa região, no Ribatejo, ou seja, é uma região em que a procura e a qualidade está posta um bocado em dúvida e isso não acontece, acontece porque nós temos bom melão no Ribatejo. Hoje em dia, está a haver muita procura na região do Alentejo e não é real porque nós aqui também conseguimos fazer melões bons, ou seja, isto acaba por não ser um prémio pessoal, para mim é sempre bom porque foi o meu nome que apareceu, mas acaba por representar sempre mais a qualidade que temos no Ribatejo, ou seja, ainda conseguimos fazer melões com qualidade no Ribatejo. Porque este ano foi um ano de bom melão, o clima ajudou. Agora o nosso único problema está a ser o escoamento do melão.

Está a haver dificuldade para escoar?
Sim, está a haver uma grande dificuldade porque, também a nível de produtores, os nossos produtores aqui tornam-se produtores pequenos e não conseguem competir com os grandes produtores do Alentejo, que fazem grandes áreas. Há produtores no Alentejo que se calhar fazem tanto como nós fazemos aqui, já zona de Alpiarça, Almeirim ou propriamente até no Ribatejo. Em relação à qualidade, a nossa qualidade é boa, às vezes há um fator ou outro que pode fazer a diferença, mas não é relevante porque nós no Ribatejo temos bons melões.

O que é que distinguiu os seus melões? Eram mais doces que os outros?
Se calhar teve mais a ver com uma unidade bem escolhida para o concurso em si, porque todos eles eram doces. Este ano, todos eles saíram bons e o meu foi o melão preparado, ou seja, apanhei-o se calhar no tempo certo e que se revelou no concurso, porque de modo geral os melões foram bons este ano no Ribatejo.

Este é um ano que tem sido um ano seco, com pouca chuva, isso é bom para a cultura do melão?
Acaba por ser bom. O fator clima, o fator calor é bom para a cultura do melão. Tudo isso é bom, só tem aqui é um problema. O nosso maior problema é no escoamento, ou seja, tem a ver quando o nosso fruto aparece, os melões e as melancias já não são uma novidade no mercado, ou seja, já estão saturados. Quando nós começamos a querer dar o escoamento à nossa fruta, acontece que os mercados já estão saturados da fruta vinda dos outros países. O que é que acontece com isso? Acontece que o nosso produto não tem valor de mercado e é o que torna uma cultura cada vez mais difícil de fazer e menos competitiva.

Esse é o grande problema de um produtor nos dias de hoje. Andar durante meses e meses a preparar uma cultura, a tratá-la e depois quando chega a altura de receber, recebe pouquíssimo, não?
Esse é um problema e o pouquíssimo é um pouquíssimo que ainda nem está definido, não há uma margem mínima nem máxima, não há nenhuma margem. Nós trabalhamos numa cultura durante 6 meses, até conseguirmos apanhar o melão sem saber qual é que vai ser o preço dele, ou seja, a quanto é que vamos vender o quilo de melão, esse é que é o grande problema. O nosso grande problema estimativamente, em médias de produção, nós nunca devíamos vender o melão abaixo de 25 ou 30 cêntimos, ou seja, já para salvaguardar as despesas e os custos e alguma da produção. Isso não acontece. Este ano, derivado aos mercados estarem saturados de melancia e melão, na altura em que saiu o nosso não ajuda ao nosso preço, ou seja, o nosso preço veio por aí abaixo e não se consegue tirar nenhum rendimento.

A quanto é que vendeu o quilo de melão?
Eu, muito honestamente, vendi melões entre 20, 22, 23 cêntimos. Houve quem vendesse mais barato, houve quem vendesse à consignação, como os tais produtores do Alentejo, que depois o consumidor final vai pagar uma fatura igual, o consumidor final paga sempre o mesmo. Quem está entre o produtor e o consumidor final é que tem uma margem muito grande e por vezes o consumidor final não sabe isso. E se calhar uma das formas de nos tornarmos mais competitivos e uma das formas de não deixar cair esta cultura, e para que esta cultura continue a haver principalmente no Ribatejo, era tentar chegar o mais próximo possível ao consumidor final, ou seja, para ele também ter um custo na compra do produto final, um custo menor e nós conseguirmos vender um pouco mais caro. Não haver tanta gente a absorver lucros tão grandes sem ter tanto trabalho.
O Gonçalo fez também melancia ou não?
Fiz.

Mas a melancia não teve a mesma sorte no concurso?
Não, a melancia não. Apesar de serem boas, tem tudo um bocado a ver com o dia em que se apanha, com o dia que é. De modo geral, este ano a fruta no Ribatejo tinha toda qualidade. E tem vindo a ter cada vez mais. Na melancia não ganhei nada.

Como é que tem vindo a trabalhar o melão para atingir a perfeição? Como é que isso se faz? Ainda é a guardar as sementes daqueles que são bons, ou não?
Gosto de lá ir, ver e brincar um bocadinho, mas depois gosto de vir mais para a sombra ou em casa, gosto mais de estar em casa. Mas gosto, gosto do campo, gosto de tudo o que tem a ver com o campo e com o muito do campo.

E o Gonçalo depois consegue apreciar o melão, ou quando o vai provar já está um bocadinho saturado do trabalho que teve?
Não, gosto. E é uma das coisas que faço quando ando a apanhar. Gosto sempre até de dizer para abrir um ou outro, nem tenho problemas nenhuns em dizer para provarem para ver se está no ponto ou não para ser consumido, é uma das seguranças que nos dá, porque às vezes o melão, como é uma coisa que nós não vemos o que está dentro dele, nós conhecemos o melão pela cor e pelo aspeto exterior, mas podemos falhar.
Para termos a certeza daquilo que fazemos, por vezes, quando se anda a apanhar, vai-se abrindo o melão de vez em quando para ver se é bom ou não e para ver se está no ponto ou não para ser consumido, para não termos reclamações.

O facto de ser necessário abrir para ver o que está lá dentro torna ainda mais difícil de perceber se está ou não, como dizia, “no ponto”?
Quando nós o vamos provar naquele momento, acontece que o melão esteve a ser alimentado até ali pela mãe, ainda não diz logo o que é a 100% mas diz logo 90%, se estiver um dia ou dois a perder, como se costuma dizer, “o vício de estar agarrado à mãe”, aí vai apurar mais as suas características, e ao fim de um dia ou dois é que se vê se o melão está no ponto, mas tem de ser sempre apanhado maduro. Estes melões, estas sementes híbridas, se não forem apanhados no ponto maduro nunca vão amadurecer por si próprias, ou seja, quando o melão não é apanhado no ponto não vale a pena porque nunca vai ser um bom melão.

E Alpiarça é mesmo a terra dos melhores melões ou não?
O que se possa falar de Alpiarça podemos dizer que nos anos 60, 70 ou 80 teve a maior percentagem a nível de produtores de melão, teve sempre o maior número de produtores de melão. Se calhar, não quero errar muito, mas se calhar nos anos 70 ou 80 e até mesmo 90, 99% dos produtores de melão não eram de Alpiarça, produziam em Vila Franca, derivado aos custos, às idades, às distâncias que se tinha de percorrer para fazer esta cultura, começaram a fugir mais para Alpiarça. Mas isto não querendo dizer que Alpiarça ou o Ribatejo em si não têm boas terras para dar melão, porque têm. Daqui saem bons melões.

E quais é que são os seus desejos para o futuro?
Era que a agricultura, apesar de hoje em dia os produtores individuais já estarem organizados, já estarem a trabalhar cada vez mais mecanizados, mas depois na parte comercial devíamos ter qualquer órgão que nos defendesse nesse sentido. O nosso produto nunca vale nada, ou seja, não tem um valor justo, e quando chegam aqui as novidades dos países vizinhos, esses é que vão absorver o melhor preço. O nosso produto só atinge esse número de melhor preço quando há alguma catástrofe nos países vizinhos. Desde o momento em que os países vizinhos consigam ter produção, o nosso produto tem sempre um valor muito mau.

 

Apenas metade da fruta e dois terços dos hortícolas são de origem portuguesa

Apenas metade das frutas e dois terços dos hortícolas de época comercializados nos supermercados são produzidos em Portugal, denunciou hoje a associação ambientalista Zero, depois de ter analisado a origem destes produtos.
A Zero publicou hoje os resultados de um levantamento da origem de hortícolas e frutas consumidos diariamente, concluindo que “há uma oferta de produtos oriundos de países distantes muito além do que é desejável”, quando muitos deles poderiam ser produzidos em Portugal.
Em comunicado, a associação ambientalista explica que, depois deste levantamento, que envolveu a realização de 94 inquéritos em superfícies comerciais de 24 municípios de Portugal Continental e Madeira, sobre a origem dos produtos, constatou-se que cerca de 65% dos hortícolas e apenas 50% dos frutos são de produção nacional.
Apesar de reconhecer, no caso dos hortícolas, um esforço de incentivo, a Zero considera que ainda há muito a fazer para “favorecer a produção nacional”, nomeadamente a nível de produtos de grande consumo, como o tomate, pimento, curgete, cebola e batata, em que menos de 50% tem origem portuguesa.
Ainda assim, dos 19 produtos analisados em 49 inquéritos sobre hortícolas, sete são totalmente produzidos em Portugal, nomeadamente a acelga, coentros, favas, grelos, nabiças, nabos e rabanetes.
O cenário das frutas, por outro lado, foi descrito como estando “longe do ideal”. Entre as 13 frutas alvo dos 45 inquéritos, só os morangos e amoras têm origem totalmente portuguesa. Pela negativa, a Zero destaca os casos do limão (24%) e da uva (23%) que considera não serem facilmente explicados, já que “as principais origens destes produtos são países próximos, com climas similares, como Espanha e Marrocos”.
No mesmo sentido, as produções insulares de ananás, nos Açores, e de banana, na Madeira, não são beneficiadas pela distribuição nacional, com os números a rondar os 25% e os 27% respetivamente.
Perante este cenário, a Zero relembra que “a produção de alimentos é o sector económico que mais contribui para as alterações climáticas”, representando quase 30% das emissões de gases causadores dos efeitos de estufa, e aconselha a tomada de medidas que invertam o panorama atual.
“Criar mecanismos de discriminação positiva da agricultura de proximidade” e consciencializar as pessoas para a preferência por produtos locais e da época são algumas das propostas definidas pela associação, bem como “eliminar de forma progressiva, todos os apoios públicos à produção animal e vegetal intensiva” e direcioná-los para a produção biológica.