“Para uns sou um traidor, para outros um comunista infiltrado”

O entrevistado político desta quinzena, Manuel Colhe, ‘nasceu na clandestinidade’ e assume-se orgulhoso do seu passado, assim como do presente. É sem pudores nem tabus que o vereador do PS responde às nossas questões e levanta o véu sobre as possíveis surpresas que o PS trará para as eleições autárquicas.

O vereador Manuel Colhe substitui, frequentemente, o líder socialista, Pedro Gaspar, nas reuniões de Câmara. Que postura tem tentado adotar durante estas sessões?
Candidatei-me porque acreditei que conseguiria acrescentar alguma coisa na gestão do Município, caso fosse eleito. Como vereador da oposição, tenho que desempenhar o papel de fiscalização, conforme compete, mas tenho sempre uma atitude positiva, quer dando sugestões para a resolução dos problemas, quer alertando para outros, servindo, assim, os interesses do concelho. Como gosto da maioria dos alpiarcenses, independentemente da sua opção política, é motivante.

Falando de eleições autárquicas, a maior incógnita no cenário político do concelho parece ser ‘que candidato irá apresentar o PS de Alpiarça?’. Podemos esperar alguma surpresa?
Não, no PS local existem três “Senadores” que, pelos cargos públicos que ocuparam e pela sua competência, são sempre potenciais candidatos, estou a falar do Dr. Rosa do Céu, Dr.ª Vanda Nunes e a Dr.ª Sónia Sanfona. Se nenhum estiver disponível, penso que será alguém da concelhia recentemente eleita.

A recolha do lixo foi, em tempos, da sua jurisdição. Que comparação estabelece com a atual?
Já fui encarregado desse serviço com duas vereações diferentes e em circunstâncias totalmente distintas, com mais meios e mais recursos humanos. A situação atual é catastrófica comparando com a de outros tempos, mas penso que não fui eu que fiz a diferença, politicamente é que teria de haver compreensão e sensibilidade para perceber que para melhorar a qualidade de vida da população não podem haver cortes descabidos e até lesivos para a saúde das pessoas, mas sim, investimento.

Existe alguma controvérsia associada à sua escolha partidária, em grande parte devido ao passado antifascista do seu pai. Gostaria de colocar os pontos nos “i’s”?
Não só o meu pai como a minha mãe, que morreu na clandestinidade, foram antifascistas que desenvolveram a sua luta militando no Partido Comunista, o que me enche de orgulho, e eu próprio nasci na clandestinidade; numa terra em que as pessoas tiveram uma vida de muito sofrimento e repressão, em que a única esperança de ter uma vida digna estava numa revolução, como o 25 de Abril, e toda a luta era encabeçada pelo PCP. É normal que muita gente, erradamente, ainda pense que quem não está com o Partido está contra o povo, mas, das muitas conquistas que tivemos, uma delas foi o direito à diferença e à existência de Partidos Políticos, logo, ao exercer esse direito que tanto custou a conquistar, estou a cumprir o desejo dos meus pais e de outros antifascistas. Não me sinto vítima, mas sim um privilegiado por essas pessoas gostarem que eu estivesse a seu lado, claro que aqueles micróbios alojados nos aparelhos partidários, que vivem do “diz que disse”, não pensam assim. Para uns, sou um traidor; para outros, um comunista infiltrado, mas, para mim, eles são, como se dizia antigamente, uns bufos insignificantes.

Rodolfo Colhe é o líder da JS de Alpiarça. Aconteceu por mera coincidência ou incutiu, desde cedo, este bichinho da política ao seu filho?
Em casa tentei passar a mensagem aos meus filhos que era muito importante sermos livres, fazer tudo de forma a que ninguém pudesse condicionar a nossa opinião, assim como podermos trabalhar para o comum, sem interesse próprio. Se isto é politica, a resposta é sim; querer que fizessem parte de uma estrutura partidária como objetivo de vida, não.

Se tivesse poder para isso, mudaria alguma coisa em Alpiarça?
Bem, muita coisa há a mudar em Alpiarça, como muita gente já falou, mas, acabar com o sectarismo; deixar de falar em dívida como forma de condicionar tudo, mas sim de investimento necessário, à altura, que deixou obrigações financeiras, mas também muita obra que importa dinamizar, manter em bom estado de conservação e limpeza. O que já é um grande trabalho e faria a diferença – buscar investimento externo de forma a combater o desemprego, e manter as pessoas em Alpiarça, e aumentar as receitas para equilibrar as finanças da Câmara, era fundamental. Levando a que as pessoas não fiquem satisfeitas com pouco e acreditem no verdadeiro valor de Alpiarça.

Vai haver mudança na estratégia política do PS para as próximas autárquicas?
Não sou filiado no PS, embora me considere militante, por há muitos anos votar no PS e participar nas suas várias ações, mas o Partido não me deve consulta nem satisfações, portanto a minha opinião apenas me vincula a mim. Penso que vamos ter uma candidatura do PS sem qualquer aliança, uma candidatura forte que envolva todo o partido e volte a motivar os eleitores que habitualmente votavam no PS, assim como os novos eleitores. No quadro partidário local não me parece possível qualquer aliança quanto ao movimento cívico TPA, que nasceu através da candidatura a presidente do Francisco Cunha e ganhou projeção com os dissidentes da CDU, beneficiando das divisões no interior do PS, motivadas pelas primárias (situação nova no partido e mal preparada) que levou algumas referências do partido a dar a cara pelo TPA, ora fazendo parte das listas ou socialmente aparecendo junto das pessoas do TPA em campanha e, sobretudo, muitos habitués que normalmente participavam nas campanhas do PS não deram a cara, o que fez com que parte do eleitorado Socialista votasse TPA. No quadro político atual já não existem estes motivos relativamente ao PS, também algumas pessoas independentes, dentro do TPA, optaram pela filiação partidária, portanto, no atual cenário, não se justifica uma aliança. Tenho amizade e reconhecimento pelo caráter e competência de algumas pessoas do TPA que fizeram parte das listas e gostaria de os ver envolvidos na campanha autárquica do PS, assim como contar com os votos do seu eleitorado.

A saída de Miguel Sá Pereira, e a entrada de João Pedro Céu para a concelhia do PS de Alpiarça ficaram marcadas pela discórdia. Deseja comentar estas movimentações?
Penso que o diálogo entre o Miguel e a Estrutura Distrital teve alguns equívocos que levaram a essa discórdia. De resto, tudo normal: apresentou-se uma lista a sufrágio, que foi eleita. Obrigado ao Miguel pelo seu empenho. O Partido, com certeza, que conta com ele. Ao João Céu, agradeço a sua disponibilidade e desejo boa sorte para as próximas batalhas, sendo a primeira muito importante – a união do Partido.

O que prevê no futuro do PS de Alpiarça?
Um futuro risonho pois tem uma história autárquica de que se deve orgulhar; erros internos que não se repetirão, certamente; gente relativamente jovem mas já com muita experiência e valor, e também jovens a aparecer com vontade. Como grande Partido que é, estará presente nas grandes decisões em Alpiarça.

Se estivéssemos num programa de rádio e eu lhe concedesse um minuto de “antena”, o que diria aos nossos leitores?
No livro com parte da nossa história, contada pelo J.J. Pais, ele apelidou-nos de “Gente de outro Ver”. Acredito que, num futuro próximo, vamos, mais uma vez, fazer jus ao nome. “Somos Alpiarça”