Lívio Medeiros: o treinador da motivação que precisa de ajuda para dar velocidade aos patins

No passado dia 2 de Abril, data que comemora o Dia do Concelho, o Município de Alpiarça atribuiu à secção de Patinagem de Velocidade a Medalha de Mérito Desportivo Coletivo , grau cobre.

A única secção desta modalidade inscrita na Associação de Patinagem do Ribatejo, a equipa de Patinagem de Velocidade de Alpiarça tem 15 atletas, distribuídos por escalões etários a partir dos 4/5 anos até aos 14 anos.
Lívio Medeiros, treinador da equipa de Patinagem de Velocidade de Alpiarça, entrou no mundo da patinagem em 2003 quando foi convidado a ingressar na Federação Portuguesa de Patinagem. Natural dos Açores, vem estudar para o continente e em 2009 é colocado como professor de Educação Física em Alpiarça onde criou as suas raízes e concretizou, em 2015, o sonho de criar uma equipa de Patinagem de Velocidade, com o apoio, desde a primeira hora, da Sociedade Filarmónica Alpiarcense- 1º de Dezembro. Em 2016 foi o Selecionador Nacional da modalidade, tendo rumado até à China para o Campeonato do Mundo da Patinagem de Velocidade.

Passava pouco depois das 17 horas quando Lívio Medeiros, à porta da Escola EB1 de Alpiarça, recebe uma chamada da mãe de um aluno. “Não há problema. Eu vou buscá-la”. Pede desculpa – mas “vamos ter de aguardar um bocadinho porque há uma menina que não tem transporte para vir ao treino.” Ainda com um breve “aroma” de pronúncia açoreana, este homem, além de ser treinador de uma modalidade, “treina” também os jovens para a vida, exemplificando que, para se cumprir os sonhos, é preciso “correr” atrás deles. E isto faz toda a diferença nesta equipa. No dia em que o Alpiarcense acompanhou o treino da equipa, os familiares dos atletas combinavam entre eles o transporte dos jovens e falavam sobre a participação nos próximos torneios. Interesse e motivação também se encontram espelhados nos atletas que, ao longo do treino, cumpriam as palavras do treinador: “Vamos divertir-nos”! Na semana passada, o Alpiarcense esteve à conversa com o homem que para lá de treinador, ainda tem a vocação de formar os jovens que o acompanham neste sonho.

Até que ponto a atribuição deste galardão é importante para a secção de Patinagem de Velocidade?

Sim. Somos uma secção recente e com um denominador comum a todos os intervenientes, atletas e dirigentes, que é a dinâmica. Procuramos sempre ter novas ideias para implementar e senti-me feliz com o prémio que é também dirigido aos pais destes atletas, que contribuíram para que este prémio tivesse sido possível. É um prémio coletivo. De certo que outras associações do concelho também teriam direito ao mérito. Mas esta medalha entregue à Patinagem de Velocidade é atribuída a todo um coletivo envolvido neste processo, às pessoas que nos permitem chegar sempre mais longe.

Como se pensa em criar uma modalidade desportiva em patins num concelho pequeno como o de Alpiarça, sem grande tradição nos patins?

Foi o Vasco Pimenta de Aguiar, que deu o nome ao Torneio de Amizade que organizamos em Alpiarça, que me incentivou e que não deixou que esta ideia morresse. Nós começámos só com um miúdo. Depois tivemos de fazer uma série de iniciativas e no mês seguinte tivemos 5, e depois vieram mais 2 e foi crescendo. A Patinagem de Velocidade é uma das disciplinas da patinagem que atualmente tem o Hóquei em Patins, Patinagem Artística, Velocidade, Hóquei em Linha e o Skate. Tem de se aprender a andar em Patins primeiro e depois escolhe-se a modalidade. Numa vila como Alpiarça onde não existe uma cultura de patins, embora já me tenham dito que há uns anos atrás houve Hóquei em Patins nos Águias, esta prática não está enraizada na comunidade. Mas isto não pode ser visto como algo negativo. A novidade pode ajudar à prática, sobretudo, entre os mais novos que gostam de desafios. O que interessa é implementar a modalidade.

Pode-se aprender a modalidade em qualquer idade?

Sim. Alguns pais criaram uma aula e duas vezes por semana, vínhamos para o ginásio desta escola (EB1) para eles aprenderem a patinar. Mas depois perdeu-se um bocadinho. Um dos pais até já sabia patinar com patins em rodas paralelas e depois foi fácil adaptar-se aos patins em linha.

Há um pouco mais de uma década houve uma “mania” dos patins. É um desporto de modas?

Tem vagas. Mas o maior “adversário”, não só desta modalidade, como de todo o desporto, são as plataformas digitais. Assim como para as atividades culturais. É um problema que a sociedade tem de saber gerir. E a resposta pode estar no desporto.
A Patinagem de Velocidade ressurgiu em Portugal em 1979, chamava-se na altura Corrida em Patins em Rodas Paralelas, e é uma modalidade “jovem”, o que pode ser atraente. Enquanto as plataformas digitais promovem o sedentarismo, a patinagem promove uma vida ativa, saudável do ponto de vista físico, mental e afetivo. Um desafio para os profissionais do desporto, este combate ao sedentarismo…nós também temos redes sociais, telemóveis (risos). Cabe-nos esta tarefa de dizermos aos mais novos que a prática “normal” é esta vida ativa, ligada ao desporto , às atividades culturais ou outras formas de entretenimento, aos estudos, em equilíbrio com o uso destas plataformas. A Patinagem está aqui para isso. Alpiarça é uma vila pequena, sim, mas com uma grande oferta em termos desportivos: atletismo, natação, Karaté, triatlo, BTT, etc….nem falei no futebol mas não precisa de promoção (riso).

E quem é o Cristiano Ronaldo da Patinagem?

Não é visível mas temos em Portugal ! Temos o Diogo Marreiros, do Algarve, que é o atleta de Patinagem de Velocidade que foi mais longe. Participámos no Torneio Internacional “Terras do Infante”, no Algarve, e ele esteve presente e deu um “show” que deixou toda a gente de boca aberta! Problema é que não temos projeção mediática. Como todas as outras modalidades que não são futebol. Há algumas modalidades que por força dos Jogos Olímpicos ganham temporariamente notoriedade. O que tentamos fazer aqui é dar visibilidade à Patinagem de Velocidade com aulas abertas, a espalhar folhetos informativos mas muitas vezes faltam o tempo e…os braços!

E que mais dificuldades de visibilidade enfrenta esta secção de PV?

Uma outra dificuldade também tem a ver com o facto de ser necessário um investimento inicial em material e depois, para a sua prática mais especializada, é necessário um espaço especializado. E para poucos alunos não é possível. Repare que não é um espaço partilhável com outras modalidades. Adaptamo-nos aos espaços que há em Alpiarça, o ginásio da Escola para aprendizagem, o Pavilhão das Exposições que serve para o treino de aperfeiçoamento. E temos um espaço exterior que foi cedido por um particular (que tem sido uma pessoa fantástica) para o treino de estrada onde fazemos torneios e já fizemos um campeonato nacional. Eu tenho perfeita consciência que nunca vou ter uma pista aqui em Alpiarça. E isso era bom para mostrar ao público. Mas com estes espaços eu consigo trabalhar e estamos bem. Estamos só a tentar, junto da Câmara, que nos libertem as estruturas do pavilhão para ganharmos mais espaço de velocidade.

Poucos atletas…

Não me queixo. Em média mantemos o mesmo número de 15 atletas. Mas não temos número suficiente de atletas para fazermos certos tipos de trabalho. Aí a criatividade também faz parte… Tenho aqui atletas com potencial. Mas este potencial não tem só a ver com o treino em si mas com a coordenação dos jovens que têm de treinar todos os dias (ou quase todos os dias) e ter as atividades escolares. Depois temos a parte competitiva , adequada ao escalão de cada um dos atletas.

A única seção de Patinagem de Velocidade do Ribatejo. Isto é bom ou mau?
Nós estamos prontos a ajudar outros clubes que se queiram formar noutros municípios ( Santarém, Almeirim, etc. onde quiserem podem contar connosco). Ter mais secções / clubes era bom para a troca e partilha de experiências lúdico-competitivas. Para aliviar a carteira dos pais, estamos a entrar numa fase de participar em todos os eventos da Federação, os nacionais, e os internacionais que se realizam em Portugal. Nos últimos anos fizemos atividades para angariar fundos. Agora passamos a outra etapa. Estivemos no fim-de-semana passado, no Torneio Terras do Infante, no Algarve ( de 5 a 7 de abril) e em outubro vamos à Madeira ao Biosfera Roller Skate. Vamos continuar a ir aos campeonatos nacionais, aos torneios regionais, como o Torneio da Amizade organizado em conjunto com a Associação do Ribatejo, Lisboa e Leiria, para dar experiência competitiva a todos os atletas e para terem a noção do que é uma competição em Patinagem de Velocidade e decidirem o seu rumo. A minha preocupação não é que tenham medalhas ou prémios; é ensiná-los, fazer com que se sintam bem sobre os patins e ganhem experiência. Este fim-de-semana até tiveram a experiência de uma prova à chuva! São atletas, os do aperfeiçoamento ou pré-competição, que treinam de 2ª a 6ª e ao sábado (mais parte teórica). Os atletas da aprendizagem escolhem os dias que querem praticar. Tenho aqui miúdos com grande potencial. Resta saber o que querem seguir. Se eles quiserem ir longe, eu estou aqui para os ajudar! Mas a decisão é deles. Tenho que os respeitar. Talvez seja a minha veia de professor a falar. Defendo a prática da Patinagem não só na sua vertente competitiva mas também como prática de uma vida saudável.

Sai caro praticar a patinagem?
Hoje em dia não há desporto nenhum barato. Nem mesmo o futebol que até há uns anos atrás bastava uma bola de trapos! Hoje há uma lista de equipamento para o futebol. A patinagem não é excepção. Mas há grandes superficies desportivas que têm disponível equipamento em conta. E este equipamento serve para a iniciação. As marcas específicas de Patinagem têm uns patins próprios de iniciação mas não aconselho para os miúdos que querem experimentar. Só ao fim de 4 meses é que os miúdos conseguem manter equilíbrio nos patins e fazer algumas habilidades e aí então é que se pode pensar nuns patins mais específicos. O capacete não é muito caro, nem as joelheiras ou luvas. Nós até temos patins para eles experimentarem. Quando se passa para o nível da competição, aí é que é mais caro. As rodas são um consumível que depois fica caro. Mas isto são outras etapas. Quanto às vestes, a secção tenta aliviar os pais com esta despesa , através do dinheiro que se consegue angariar, com os fatos de treino, etc.

Precisam-se patrocinadores…
Ahh, claro. Fazem muita falta. Os pais tentam sempre junto das empresas onde trabalham, angariar alguma verba. Nós precisamos de todos “os bocadinhos” que nos queiram dar!
Acho que o facto de sermos os únicos de Patinagem de Velocidade também é mau para patrocínios. Há secções que vão a Campeonatos lá fora mas nós não temos capacidade financeira para ir. Só participamos nos internacionais realizados cá.
Aqui há uns tempos, fizemos uma demonstração no Entroncamento e no fim houve uma família que queria que os filhos treinassem mas tinha dificuldade no transporte. Tivemos uma vez um atleta estrangeiro que esteve cá a treinar connosco. Eu gostava de abrir secções noutros locais mas eu não me posso dividir. Depois não há treinadores de Patinagem de Velocidade disponíveis na zona e podíamos tentar mesmo que, alguém que não fosse treinador mas estivesse interessado na modalidade e quisesse aprender, mas mesmo assim não é possível, infelizmente. Voltando à sua pergunta anterior, esta é uma das razões porque não estamos contentes por estar sozinhos. Acaba por ser uma desvantagem para se conseguir patrocínios e para os atletas terem experiência em competição sem ser preciso andar muitos quilómetros.

E quais são os próximos torneios em Alpiarça?
Vamos receber o Torneio da Amizade, pela terceira vez, no próximo dia 1 de junho, Dia da Criança na zona da Eira com clubes de Lisboa e Leiria. Vai ser um dia completo e estamos a contar com a presença de cerca de 90 atletas. Gostava que este Torneio da Amizade, realizado em Alpiarça, ficasse referenciado como um bom torneio virado para a formação. Claro que também vêm atletas de competição porque têm um compromisso com os clubes e também têm interesse pessoal, claro. Desde que comecei a realizar torneios, tornei regra que até aos 12 anos, todos os atletas devem ir ao pódio. Eles gostam de competir e de correr com os adversários mas depois, querem estar todos no local da festa, o pódio. As crianças são justas: elas sabem que ficaram em 4º lugar e recebem contentes a medalha do lugar em que ficaram. O importante é estar lá no pódio a fazer a festa. Isto é Motivar, a palavra de ordem para os atletas. E para todos os jovens.