Fernando Louro tem estado debaixo de fogo enquanto presidente da Assembleia Municipal de Alpiarça. A oposição acusa-o de falta de isenção e apelida as suas intervenções, enquanto presidente do órgão deliberativo, de “estalinistas”. Em entrevista ao nosso jornal, Fernando Louro responde a estas e outras acusações.
“Eu tenho dois amores…”: teatro e política – de qual gosta mais?
Não são comparáveis. A política é uma questão de cidadania e civismo. O teatro é um divertimento. Têm em comum o facto de levar ambos com seriedade e o facto de ambos me darem prazer.
Tem sido uma maravilha ter ajudado a subir ao palco pessoas com mais de 70 anos, que nunca antes o tinham feito, e fazê-lo com uma força, e competência, que me impressionam. Não quero perder isso.
Mas na minha vida tive muitos outros amores, o sindicalismo por exemplo.
Foi professor num tempo em que o ensino era muito diferente do atual. Não posso deixar de lhe pedir que teça uma comparação entre o ‘velho’ e o ‘novo’ sistema de educação.
Seria preciso um jornal inteiro para tentar fazer essa comparação. Mas direi que quando comecei a trabalhar as salas de aula estavam equipadas com enormes carteiras pesadas, como material didático tínhamos uns mapas pendurados na parede, um quadro negro e o giz, as crianças mais necessitadas podiam almoçar uma sopinha no refeitório, sendo obrigados a beber antes uma colher de óleo de fígado de bacalhau. Para a grande maioria das crianças a escola representava quase em exclusivo a fonte do conhecimento.
Nos dias de hoje, a situação é muito diferente, com condições de trabalho muito diferentes.
As novas tecnologias, começando pela televisão, que de início foi vista pelos professores como uma concorrente e hoje é vista como parceira, tal como o computador, etc…
O interessante é que vivi e participei em todas estas modificações. Mas gostaria de dizer que os professores hoje continuam a ser vítimas de muitos atropelos, e sobretudo, falta de consideração. São penalizados como todos os portugueses, mas são também penalizados em termos de carreira, o que corresponde a um outro imposto, grande, desigual, e a meu ver inconstitucional, e professores insatisfeitos, dificilmente conseguirão fazer uma escola feliz, como se pretende.
A seu ver, como descreve o processo evolutivo do município desde que a CDU tomou posse após os mandatos do PS?
No mandato anterior a CDU encontrou a Câmara sem dinheiro, sem crédito e sem fornecedores. Com uma dívida enorme, praticamente equivalente à totalidade das receitas da Câmara durante dois anos.
Com a reestruturação da dívida a situação melhorou significativamente, mas essa dívida tinha que ser amortizada.
Este mandato da CDU coincide com uma crise generalizada no país, com uma acentuada redução da nossa autonomia politica e financeira, com implicações nos Municípios.
Com as novas regras o número de trabalhadores da Câmara vão reduzindo todos os anos, sem a entrada de quem os possa substituir, as receitas com origem no Orçamento de Estado também são reduzidas constantemente, e a dívida tem de continuar a ser paga e amortizada.
Ainda assim, com escassos recursos, não deixámos de cumprir com os serviços de apoio à população a que nos habituámos.
E ainda tivemos a capacidade de realizar obras fundamentais na Casa-Museu dos Patudos, o Centro Escolar, o parque junto aos Paços do Concelho, os melhoramentos no parque do Carril, o espaço dos equipamentos de desporto e lazer junto às piscinas, isto para citar os mais relevantes que me lembro.
E ainda iremos proceder, pelo menos, à ampliação e reestruturação do Jardim Municipal, bem como, em 2017, às obras de recuperação das instalações da Escola José Relvas.
Tudo isso sem penalizar os contribuintes de Alpiarça, mantendo o IMI com a taxa mínima.
Considero assim um mandato bastante feliz, atendendo às circunstâncias adversas.
Em 2014, quando assumiu o cargo de presidente da Assembleia Municipal, quais foram os objetivos ideológicos a que se propôs enquanto no exercício da função?
Quando me candidatei ao cargo de Presidente da Assembleia Municipal, fi-lo numa lista de coligação, a CDU, cujos objetivos ideológicos estavam explanados no respetivo programa eleitoral.
Não sendo militante no Partido Comunista Português, fui toda a minha vida um homem de esquerda, com os valores de esquerda, e sempre procurei estar no lado certo da vida. Um pouco idealista, mas sempre do lado dos mais fracos e oprimidos.
Assim, com toda a naturalidade assumi pessoalmente os objetivos ideológicos da CDU, incluídos como já referi no seu Programa Eleitoral.
Mas também me propus objetivos pessoais, não de natureza ideológica, nomeadamente gerir a Assembleia com total isenção, no respeito pela lei e pelo regimento, e pelo respeito pelos restantes eleitos.
Tem conseguido manter-se fiel a esses princípios?
Sim, sem a mínima dúvida. Ainda assim, como Presidente da Assembleia Municipal fui adequando, fui modificando, os meus comportamentos.
Vejamos, comecei por marcar reuniões dos representantes de todas as bancadas, antes de cada Assembleia Municipal, a fim de prepararmos melhor os trabalhos e limarmos as arestas que pudessem existir.
Contudo, o representante do TPA nunca se dignou comparecer, nem ao menos procurou justificar-se do seu comportamento.Conclusão, deixaram de se realizar essas reuniões preparatórias pela sua inutilidade.
De início quis dar a todos os eleitos a oportunidade de explanarem as suas ideias, com muita permissividade no que respeita ao controle dos tempos, e as Assembleias acabavam inevitavelmente por terminar às 3h e 4h da madrugada.
Mas ninguém estava a jogar às cartas, terminavam a essa hora, porque os senhores deputados estavam a falar, a discutir ideias.
Mas fui criticado pela própria oposição a quem eu dava todo o tempo do mundo, muito para além daquilo que a lei e o regimento estabeleciam.
Lentamente, passei a fazer cumprir as regras com maior rigor, as assembleias passaram a terminar antes da uma, mas eu passei a ser chamado de estalinista.
Alguns deputados são uns brincalhões.
Como professor que foi: que nota dá ao comportamento dos deputados durante as reuniões da Assembleia Municipal?
Seria presunção minha pensar que poderia dar notas aos comportamentos dos senhores deputados. Mas não deixarei de dizer que alguns teriam necessariamente negativa, nomeadamente se analisarmos a falta de educação e o gosto por brincarem em trabalho. Alguns são muito maus como políticos, uma desilusão, mas muito bons na criatividade.
O TPA acusa a CDU, assim como o presidente da Assembleia Municipal, de não aceitar qualquer proposta que este movimento tenha apresentado até à data, quer seja através de votação contra ou, até mesmo, negando a apresentação destas propostas. Que justificação dá para esta acusação?
O TPA não tem razão. Foram várias as propostas por eles apresentadas, aprovadas com a condescendência ou com o apoio da CDU.
Mas seria bom que o TPA não esquecesse que aquilo que o povo de Alpiarça espera é que a CDU faça aprovar as suas próprias ideias e os seus próprios projetos, pois foi para isso que a CDU mereceu o voto maioritário desse mesmo povo.
O povo de Alpiarça achou por uma grande maioria que as propostas eleitorais da CDU eram melhores que as propostas das outras forças políticas e mais úteis para a nossa terra.
Gostaria que o TPA nos dissesse quantas propostas do Partido Comunista foram aprovadas na Assembleia da Republica, durante o período que eles, através do PSD, estiveram em maioria absoluta no Parlamento.
Ainda assim é obrigatório que a CDU saiba ouvir as forças minoritárias.
Mas não nos podem é obrigar a ouvir, sem um sorriso, as propostas tipo hortas comunitárias, que até podem ser interessantes em zonas urbanas, mas um disparate em zonas rurais como a nossa. É o que eu acho.
Voltando a esta questão que continua a ser motivo de altercação na Assembleia: está a ser preparado um voto de louvor conjunto à GNR para ser apresentado na próxima Assembleia Municipal como chegou a ser sugerido?
Como sabe, propus na última Assembleia Municipal que o voto de louvor à GNR novamente apresentado, depois de já ter sido rejeitado pela maioria, fosse retirado, para que se conseguisse uma proposta conjunta, consensual, de todas as forças políticas.
Insisti para que isso acontecesse.
Senti que aquela proposta iria de novo ser reprovada, até por uma questão de coerência política.
Eu não poderia permitir que uma instituição com o prestígio que a GNR tem, em menos de um ano, voltasse a ser discutida, eventualmente criticada.
Se o TPA quisesse sinceramente homenagear a GNR teria aceitado a minha proposta para consenso. Mas não, pouco se importam com a GNR, o que eles queriam era criar uma situação incómoda para a CDU.
Na Assembleia da República, tanto quanto julgo saber, este tipo de situações não poderia acontecer, pois uma proposta rejeitada pela maioria, só poderia voltar a ser de novo apresentada na legislatura seguinte.
Sobretudo por respeito pelos adversários políticos, que já manifestaram qual a sua posição sobre o tema.
No nosso Regimento não está prevista essa situação de poderem ser novamente apresentadas propostas anteriormente rejeitadas, em teoria a mesma proposta poderia ser apresentada em todas as Assembleias. Tentar matar pelo cansaço.
Situação ridícula e absurda, e considerei que o Regimento da Assembleia por não dar nenhuma solução para esta situação, tinha uma lacuna que a mesa se encarregou de integrar, nos termos do artº 61º do Regimento.
Assim, impedi a discussão da proposta, pelo respeito pela GNR e pelo respeito que se deve ter com os adversários políticos, que já tinham rejeitado a proposta recentemente.
O TPA não recorreu para o Plenário da deliberação da mesa, como poderia e deveria ter feito, no caso de discordância.
Irei sugerir à força partidária a que pertenço que proponha uma alteração ao Regimento, de maneira que este tipo de situações não possa voltar a acontecer.
Em seguimento da Assembleia Municipal de Setembro, era minha intenção convidar os representantes de todas as forças partidárias, para nos reunirmos e prepararmos em conjunto, um voto de louvor à GNR, consensual, para levar à próxima Assembleia.
Mas perante os últimos acontecimentos, com o pedido efetuado de uma Assembleia Municipal Extraordinária, com aquela Ordem de Trabalhos, considero não existirem mais condições para um diálogo frutuoso.
Falando em nome pessoal, deixei de estar disponível para dinamizar esse diálogo, mas ficaria muito feliz se fosse possível ele acontecer.
A política séria não pode ser um “vale-tudo”.
Devolvo assim as acusações que me foram feitas de falta de democracia, afirmando que um dos pilares da democracia é o respeito pelos outros, o respeito pelos adversários políticos.
Notória essa postura antidemocrática, no facto, entre muitos outros, da oposição do TPA, passar parte do tempo da Assembleia, a conversar no seu exterior, sem participar nos trabalhos.
Existem muitas pessoas em Alpiarça que me poderiam dar lições de democracia, mas curiosamente nenhum daqueles que me acusam, constam nesse rol.
O Fernando Louro adolescente viaja no tempo para encontrar o Fernando Louro do presente. Que diria ele da pessoa em que se tornou ou do seu percurso de vida?
Não imagino o que ele diria. Mas sei dizer que o Fernando Louro do presente tem muito orgulho da pessoa em que se tornou, e do seu percurso de vida. Sempre tive um enorme prazer em estar disponível para os outros.
Se estivéssemos num programa de rádio e eu lhe concedesse um minuto de “antena”, o que diria aos nossos leitores?
Aproveito para falar um pouco do requerimento apresentado pelo TPA/PS, requerendo a realização de uma Assembleia Municipal Extraordinária, cuja OT tinha como primeiro ponto a minha própria demissão e o outro ponto, mais um voto de louvor à GNR.
Este pedido de convocatória é uma palhaçada, uma vontade continuada de querer brincar com a democracia.
Surgiu como provocação e com a intenção de procurar desviar as atenções de coisas bem mais graves.
Nem sequer o número legal de assinaturas para entregar um requerimento válido foi conseguido.
Ou por vontade deliberada de brincar, ou por incompetência, apresentaram o pedido sem reunirem os requisitos mínimos para o poderem fazer.
Tive de indeferir o requerimento que devolvi, para o poderem retificar.
Se o voltarem a apresentar, formulado nos termos legais, obviamente marcarei a Assembleia Municipal Extraordinária solicitada, apesar de no mês de Novembro existir uma Assembleia Ordinária, obrigatória.
Mas presumo que isso não acontecerá, porque o importante está concretizado, com o ruído feito com a apresentação do não requerimento.
Mas falando de coisas realmente importantes, tenho perspetivas muito otimistas sobre o futuro de Alpiarça, e sobre esta política de rigor, praticada pelo executivo da CDU, de maneira que a dívida possa ficar reduzida ao mínimo, a fim de podermos ter um amanhã mais sorridente.