Crónicas do Outeiro: José de Mascarenhas Relvas e a sua paixão pela música

No passado dia 31 de outubro (dia do seu falecimento) homenageámos mais uma vez José de Mascarenhas Relvas (1858-1929), evocando uma das suas paixões: A Música.

José Relvas era um apaixonado pela música, tocou violino em público em diversos concertos e fundou, em 1899, o Quinteto de Música de Câmara de Lisboa. Tocou violino várias vezes na sua Casa dos Patudos. No dia em que começou aqui a viver, em 3 de Junho de 1906, dá um grande concerto para a inauguração da sua casa. Desde os catorze anos que tocava violino, e é com esta idade que o seu pai lhe compra o Violino Stradivarius. Ao longo da sua vida colecionou pautas musicais e rolos de pianola, apoiou músicos portugueses e patrocinou a vinda a Portugal de músicos estrangeiros, como Eugène Ysaÿe (1858-1931) e Raoul Pugno (1852-1914). Fez questão de dar à música um lugar de destaque no seu quotidiano e um lugar de honra nos serões da sua casa. A música povoa a Casa dos Patudos, desde fotografias com dedicatórias (como é o caso dos violoncelistas Guilhermina Suggia e Pablo Casals), ao centro de mesa de porcelana de Meissen, em alegres cenas pintadas ou no magnífico retrato de Domenico Scarlatti (1685-1757) comprado em Madrid a Mariano Hernando em 1913, custando 3.250 pesetas. Rafael Bordalo Pinheiro tentou, em 1896, corresponder à encomenda do seu amigo, que lhe pediu uma obra alusiva a esta paixão pela música. Dessa tentativa saiu uma obra tão excessiva que, com os seus 2,25cm de altura, foi recusada por Relvas. Rafael Bordalo Pinheiro dedicou a sua jarra a Beethoven, o compositor preferido do proprietário da Casa dos Patudos. José Malhoa, numa das poucas caricaturas que se conhece de sua autoria, representou José Relvas a tocar violino. Malhoa era um mestre no domínio da paleta de óleo – só muito ocasionalmente fez trabalhos a pastel – visto, à data, esta arte ser considerada de menor importância e utilizada com mais frequência em ensaios e estudos. Foi este o caso do retrato de José Relvas, realizado em 1898, durante uma visita de Malhoa à Quinta dos Patudos.

A amizade entre Relvas e Malhoa era consolidada pelo apreço mútuo e por um grande número de afinidades de ordem ideológica e estética. Era com grande frequência que Malhoa visitava a Quinta dos Patudos e aqui produzia algumas obras para a coleção de José Relvas. No quadro José Relvas tocando violino, Malhoa apresenta o realismo que caracteriza a sua arte, retrata o Senhor dos Patudos numa entrega a uma das suas atividades preferidas: a música. José Relvas está concentrado tocando o seu violino, executando, talvez, uma peça conhecida de memória da obra de Beethoven, visto ser este o seu compositor preferido. Junto ao músico, encontra-se uma mesa com algumas partituras; ao fundo vê-se uma das suas obras de arte preferidas, uma escultura de Soares dos Reis, o estudo em gesso para O Artista na Infância, adquirida à família do escultor em 1889. A cena retratada decorre num interior de limites imprecisos onde está patente uma luminosidade difusa. Quando foi retratado, José Relvas contava 40 anos de idade, a sua personalidade é representada pelo aprumo do porte, era um homem respeitado e estimado por todos. O rosto bondoso revela, no entanto, uma certa tristeza e melancolia. José Relvas aqui retratado num espaço privado da sua casa, a sala da música, é sem dúvida um homem marcado pelo desgosto e pela tragédia. Anos antes assistira à morte de dois dos três filhos (Maria Luísa e João). A música tocada por Relvas está “presente” e ausente em toda a obra, e é a melodia que escapa das cordas do violino que é a verdadeira alma da obra, a chave para a sua leitura. Na obra apresentada, podemos ver que o tratamento de Malhoa para o retrato consegue-nos fazer sentir a obra. O trabalho aflora com manchas de cor de grande suavidade, numa gradação decrescente de tonalidades, que parte da figura de José Relvas e se esbate na cinza da parede. O tratamento é adequado à técnica do pastel e confere à obra uma reprodução da imaginação; ao apreciá-la, o espectador está a espreitar através de uma janela para a Casa dos Patudos. Esta é uma obra serena, em perfeita sintonia com a tradição do retrato tardo-romântico de que José Malhoa foi herdeiro e continuador; através deste pastel há a homenagem de um artista a outro artista. Através da obra constituiu-se uma verdadeira faculdade de sentir as vivências do Senhor dos Patudos. Nuno Prates Conservador da Casa-Museu dos Patudos