Crónicas do Outeiro: A importância mundial da arqueologia de Alpiarça

Pode parecer exagero ou mania das grandezas, iniciar-se um artigo com um título tão sonante que até parece soar a falso. No entanto, isto mesmo foi afirmado e confirmado pelo con­junto de cerca de quarenta arqueólogos inter­nacionais que estiveram em Alpiarça numa sessão específica do Congresso Mundial de Arqueologia sobre pré-história e proto-histó­ria de Alpiarça. Aqui vieram visitar os Terra­ços do Tejo para, de seguida, se reunirem no Ginásio do Clube Desportivo “Os Águias” a analisar o que testemunharam; corria o ano de 2006, como a foto anexa recorda.

A arqueologia de Alpiarça tem importância internacional especialmente em três períodos: 1º – na época do paleolítico inferior, sendo única a nível europeu, porque no património arqueológico de Alpiarça se incluem vestígios deixados pelos nossos antepassados remotos quando aqui se fixaram no que é considerado o maior estuário da Europa, com as melhores condições naturais para a caça e a pesca; 2º – numa época posterior, porque aqui se desen­volveu um conjunto de práticas civilizacio­nais que deram origem à que é mundialmente conhecida como a “cultura de Alpiarça”, de urnas funerárias; e 3º – na época do domínio Romano da Ibéria, porque aqui existe uma fortificação militar romana ainda excecional­mente bem conservada, de duplo fosso, locali­zada no popularmente conhecido como “Alto do Castelo” e que é muito importante pela sua raridade.

A fixação dos seres humanos na região de Al­piarça pode ser datada de há cerca de seiscen­tos e cinquenta mil até setecentos mil anos, ou seja, de uma época em que idênticos vestígios de ocupação foram encontrados em outros pontos da Europa, de acordo com o parecer do Dr. Luís Raposo, ex-diretor do Museu Na­cional de Arqueologia e atual presidente do Conselho Internacional de Museus, ele mesmo participante como arqueólogo em muitas esca­vações que realizou em Alpiarça.

Para o mesmo prestigiado especialista, acha­dos muito importantes feitos nas estações arqueológicas de Alpiarça, especialmente de utensílios desses antepassados, revelam que aqui surgiu pela primeira vez a criação de arte­factos úteis com evidentes sinais de conceção estética. Um desses artefactos é considerado tão importante (um biface de pedra encontrado numa das nossas estações) que, na altura do roubo das jóias da coroa, o Museu Nacional de Arqueologia inventariou essa peça como património nacional, estando hoje classificado como tal e sendo a única com esse estatuto.

Existe na Casa Museu dos Patudos, para além dessa peça, coleções invulgares, raras e muito valiosas desses instrumentos. Na foto em ane­xo dá-se conta de um desses preciosos artefac­tos, atualmente depositado à responsabilidade do Agrupamento de Escolas de José Relvas, em Alpiarça.

Em paralelo, é possível identificar a produção dessas peças com a evolução da inteligência humana e com o comportamento desses pri­meiros homens e mulheres: dominavam o fogo, eram extremamente sociais, coopera­dores e eram caçadores exímios, o que lhes permitiu sobreviver. Aqui conviveram nessas épocas com uma fauna hoje totalmente extin­ta, como ursos, hienas e elefantes antigos.

Qualquer projeto arqueológico que aqui se possa e deva desenvolver, só ganhará se for considerado em conjunto com outros que existem já ao longo do Vale do Tejo, como por exemplo o de Vila Velha de Ródão ou o de Abrantes, que irá ser criado. A ligação com Espanha é muito importante para se pensar num projeto de turismo cultural focado em particular na riqueza arqueológica, devido ao caráter internacional que lhe pode ser dado e às possibilidades de sucesso que pode trazer.

Por exemplo, em Espanha, a meio caminho entre Madrid e Barcelona, onde há sítios como este aqui de Alpiarça, foram construídos par­ques temáticos arqueológicos muito bem-sucedidos, apoiados por fundos europeus, a partir de reconstituições desses mesmos ani­mais e das comunidades humanas que nessa altura habitavam esses lugares. Em Portugal, se há algum local onde faça sentido projetar esse investimento, poderá ser em Alpiarça, tal como foi já discutido e proposto entre repre­sentantes do Museu Nacional de Arqueologia, da Câmara Municipal e da AIDIA, em reunião conjunta, no longínquo ano de 2005 – e muito se projetou nessa altura.

Quando agora se procuram ideias de projetos que possam contribuir para desenvolver as economias das nossas terras e regiões, o apro­veitamento da riqueza arqueológica de todo o Vale do Tejo, até Espanha, faz todo o sentido.

Deve trabalhar-se com instituições vocacio­nadas para a arqueologia e para o desenvolvi­mento local (Politécnico de Tomar, Câmaras Municipais e associações para o desenvolvi­mento), para se encontrar um projeto comum que a todos possa satisfazer, beneficiando das melhores ideias que cada instituição possa tra­zer.

É fundamental para o turismo cultural e o desenvolvimento regional, para garantir em­pregos locais e fixar populações, conjugando vontades comuns, independentemente das cores partidárias, considerando a economia, a cultura e o meio ambiente como componentes obrigatórias para assegurar o êxito de iniciati­vas futuras sérias e bem fundamentadas para toda a região.

Alpiarça, 09-08-2016

João Monteiro Serrano