João Rabico, de 55 anos e Planner de profissão, é um filho da terra que vive, desde janeiro de 1985, na cidade holandesa de Hoofddorp. Na entrevista que se segue João aceitou partilhar, com o jornal O Alpiarcense, a sua experiência de mudar de país e, consequentemente, de vida e explica todos os fatores que uma mudança destas pode trazer, tanto bons como menos bons.
Quando questionado sobre o porquê da sua escolha de emigrar, João responde, com humor, “Essa é uma pergunta que me é frequentemente feita pelos Holandeses, principalmente quando faço novos contatos e digo que sou Português «O que é que fazes aqui, com um País tao bonito que tens, com temperaturas tao boas, etc…?». Normalmente respondo a brincar: «Vocês têm uns queijos e umas cervejas fantásticas!»”. Logo de seguida continua, num tom mais sério, a explicar que “(…) emigrar foi um assunto que nunca fez parte dos meus planos. No entanto o apaixonar-me por uma Lusa Holandesa, fez-me mudar de planos. (Não de imediato, mas) quanto mais os planos de casamento se iam concretizando, mais concluíamos que esta seria a melhor opção.”.
No entanto conta a significância que teve a sua chegada ao país nórdico “Lembro-me que quando tinha para aí uns oito ou nove anos, recebi um livro pelo Natal. Da história não me lembro precisamente, mas sim das ilustrações que me faziam sonhar e que me davam uma tranquilidade incrível. Toda a historia se desenrolava nuns campos, muito verdes, muito planos, com muitos riachos com a água muito à superfície das margens… No momento que vi a Holanda pela primeira vez, através da pequena janela do avião, era como se fosse um Déjà vu. De repente, depois de tantos anos, estava a ver lá em baixo os tais campos verdes e planos com os riachos que tinha visto no livro. Foi um sentimento muito especial e esse sentimento mantém-se há 32 anos!”
Apesar de a adaptação a uma realidade de vida tão diferente da que tinha em Alpiarça poder parecer uma tarefa difícil, João considera que se adaptou bem, e sem problemas, à vida quotidiana holandesa “Penso que tenha um pouco a ver com o estar atrás da decisão que se toma num determinado momento na vida. A minha decisão em emigrar para a Holanda foi bastante ponderada. Procurei analisar o mais possível os prós e os contras desta decisão. Estava consciente que um mundo completamente diferente daquele que estava habituado me esperava e que para “sobreviver” teria que me adaptar, sem perder as minhas raízes culturais e os meus valores, como é óbvio.”. Em relação à sua aprendizagem da língua revela que aprender holandês o mais rapidamente possível foi sempre dos seus objetivos mais importantes “(…) é uma língua que não tem qualquer semelhança com a nossa e quando não se aprende em criança é um pouco complicado.” e apesar de ter frequentado aulas à noite durante os primeiros anos na Holanda “(…) ainda hoje aprendo palavras novas.”. João Considera que “(…) dominar a língua do país onde se reside e crucial para a necessária integração cultural e social do país. No entanto existem pessoas oriundas de várias partes do mundo, inclusive Portugal, que vivem 40 e 50 anos neste pais e que infelizmente não falam a língua, o que os limita extremamente em todos os aspetos da vida diária.”.
João confessa que a escolha de viver em Hoofddorp (capital de Haarlemermer, situada no norte da Holanda, com uma população de 75.668 habitantes), cidade onde vive há já 12 anos, foi simplesmente uma questão de comodidade “A escolha desta cidade para viver, tal como as outras três cidades onde vivi anteriormente, tem a ver com a curta distância ao aeroporto Schiphol onde eu desenvolvia a minha atividade profissional.”. Quando inquirido sobre quais as principais diferenças entre a cidade onde vive e vila de onde é natural, admite que essa é uma questão difícil de responder porque “(…) as diferenças entre Hoofddorp e Alpiarça são enormes a todos os níveis. Começa pelo facto de toda esta zona do aeroporto no passado ter sido água que foi seca entre 1849-1852. A cidade tem hoje uma população de 75.668 pessoas e espera-se ter 90.000 no ano 2020. Só num dos sete bairros da cidade – Floriande, vivem 18.200 pessoas. A cidade tem 12 igrejas tanto católicas como protestantes. Só no centro da cidade existem 300 lojas, um hospital supermoderno, etc. Um dos problemas que por exemplo afeta Alpiarça com frequência a falta de energia elétrica e aqui impensável. Em 32 anos nunca estive uma vez sem eletricidade nas cidades/vilas onde vivi.”. Apesar de todas estas diferenças, João considera que “(…) Alpiarça tem todas as características boas de uma vila pequena, agrícola e acolhedora. Acima de tudo a caraterística especial de ser a terra que me viu nascer e da qual tenho muito orgulho.”. O alpiarcense revela ainda que teve de se acostumar a alguns hábitos holandeses, por exemplo nas refeições “Normalmente, na Holanda come-se uma refeição quente por dia e é ao jantar. Em geral toda a gente, incluindo crianças, leva sanduiches de casa para o trabalho e escola, para almoçar (…)” e até mesmo nos hábitos sociais “Outro hábito que adquiri, ou que tive que perder, foi o de não ir ao café ou bar para tomar a bica. Ninguém vai ao café depois das refeições para tomar a bica.” mas ao falar-nos dos hábitos alpiarcenses diz “(…) penso que esses nunca morrem.”.
Da nossa terra, o que mais sente saudades é “Sem duvida dos meus pais, família e amigos.” mas agradece a época em que nos encontramos no que diz respeito a matar essas saudades “Abençoada tecnologia moderna! Todas as semanas falamos com os meus pais pelo Skype e através do Facebook reencontrei muitos amigos que já não via há muitos anos e agora comunicamos regularmente, fantástico, não é?” e acrescenta “Depois, tenho uma outra maneira muito especial de matar saudades com os meus amigos. Tenho a sorte de ter uma amiga de escola muito especial, que é para mim como uma irmã, que há uns anos a esta parte resolveu organizar todos os anos, no momento em que estou em Portugal, um almoço para os antigos primeiros alunos do então Ciclo Preparatório da Escola José Relvas. Devo dizer que, desde o primeiro ano que este almoço se realiza, é um dos momentos mais especiais do ano para mim. Um obrigado muito especial para a minha querida amiga Paula Covão Esteireiro Avelino.”. Confirma que, com as novas tecnologias, é menos difícil estar longe “(…) principalmente com os social media. Lembro-me que no princípio quando ainda não havia internet os meus pais só viam as netas uma vez por ano enquanto agora todas as semanas ou quando apetecer, é só carregar no botão.”
Outro tipo de saudades são as que tem da gastronomia alpiarcense “(…) principalmente do peixe do nosso Oceano Atlântico, mas também do borrego a moda de Alpiarça, cachola, dobrada… existem aqui umas lojas com produtos portugueses e é lá que compramos bacalhau, enchidos, pasteis de bacalhau, todas essas coisas que não se encontram nos supermercados holandeses.” mas já desenvolveu uma técnica para contornar essa situação “Isto aqui só para nós… eu tenho uma lista onde anoto comidas de Alpiarça que me vou lembrando durante o ano e quando vou de férias a Portugal, dou a lista a minha mãe que me cozinha todos esses pratos como só ela sabe e me mata as saudades destes petiscos saborosos.”.
João deixa, ainda, alguns conselhos a quem esteja a pensar em ir viver para a Holanda “(…) é um país excelente para viver, com ótimas condições, com uma economia estável e com quase tudo no devido lugar. Em contrapartida é um país com muitas regras as quais tens que respeitar. Pessoalmente gosto de estrutura e organização e daí provavelmente me sentir bem neste país. E a minha zona de conforto. De resto emigrar é sempre uma questão a ponderar muito bem. Porque na finalidade as pessoas têm que se sentir felizes onde estão. Aconselho a que se informem bem acerca de assuntos que cada um ache importante. Questões acerca do trabalho, de alojamento, transporte, segurança social, enfim… Hoje em dia pode-se achar toda essa informação na internet.”. Insistindo que tem de haver ponderação em todos os aspetos desta mudança acrescenta “(…) pode ser que existam assuntos éticos ou religiosos que conflitam com este Pais. Pessoalmente, considero que a Holanda seja um País muito progressivo, que não enterra a cabeça na areia como a avestruz, mas que olha e tenta reagir de uma maneira muito rápida e o mais eficiente possível às necessidades sociais. Por vezes de uma maneira menos convencional o que gera controvérsia noutros Países.” e segue dando alguns exemplos “(…) A legalização das drogas leves, que só podem ser vendidas em “coffeeshops”; o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o qual é possível desde 2001 na Holanda, que foi o primeiro pais no mundo onde estes matrimónios se puderam concretizar, Portugal seguiu o exemplo em 2010; a lei da eutanásia que é legal apenas na Holanda e Bélgica, onde só em casos muito especiais (terminais) pode ser aplicada, mas que respeita o que cada pessoa quer fazer com a própria vida; a legalização e proteção das prostitutas, que têm um sindicato próprio que zela pelos interesses da profissão e proteção das mesmas.”
No final desta entrevista o que resta saber é se pensa voltar a viver em Alpiarça “Bom, é possível que mude de opinião à medida que os anos vão passando ou que as circunstâncias se alterem, mas neste momento não faz parte dos meus planos voltar a viver definitivamente em Alpiarça ou em Portugal. Apesar das minhas raízes estarem em Portugal, do qual tenho um orgulho enorme, resido há mais anos neste País do que residi no nosso Portugal e sinto-me muito bem neste país que me acolheu. Quem sabe mais tarde, uns meses em Portugal e uns meses na Holanda…”.
Se tem mais alguma coisa a acrescentar responde que “Sim, em Maio estarei aí…!”.