Durante toda a sua adolescência em Alpiarça, Miguel Gonçalves nunca imaginou que teria de sair de Portugal para trabalhar. Com uma primeira passagem pela Holanda, foi em Londres, Inglaterra, que este alpiarcense de gema se veio a estabelecer juntamente com a sua cara metade.
Como se descreve o Miguel?
Nasci em Alpiarça há vinte e seis anos atrás, passei uma infância muito feliz junto de todos os que contribuíram para isso. Sempre gostei de aventuras e nunca imaginei que um dia sairia de Portugal para trabalhar, mas cá estou eu. Sempre pronto para enfrentar os desafios da vida.
Como recorda a sua infância em Alpiarça?
Como todos os jovens da minha idade, em Alpiarça tive uma infância muito diferente daquela que as crianças têm hoje em dia. Os meus dias eram passados a brincar, a jogar futebol, às escondidas, andar de bicicleta… Não havia telemóveis nem playstations, o que nos fazia sair sempre de casa para nos encontrarmos e decidirmos qual ia ser a brincadeira desse dia. Organizávamos jogos de futebol contra zonas distintas de Alpiarça. Como na minha zona moravam poucas crianças, passei praticamente toda a infância na casa dos meus avós. Era lá que se reuniam todos os meus amigos, naquele parque do bairro 25 de Abril. Conseguíamos passar os dias inteiros, e pela noite dentro, na brincadeira, só parávamos quando os pais/avós nos chamavam pela porta para irmos comer. Era sempre aquela vontade de voltar ao parque e continuar no convívio.
Quando emigrou pela primeira vez e para onde?
A primeira vez que emigrei foi para a Holanda em 2012.
O que o motivou a fazê-lo?
Já se fazia sentir a crise do nosso país, e os trabalhos eram cada vez mais escassos. Quando terminei a escola, tirei um curso de contabilidade onde consegui emprego como administrativo na base dos Mosqueteiros, nos Bugalhos – Alcanena. Como a empresa começou a reduzir o pessoal, os mais novos tiveram que sair, e foi o que me aconteceu. Nessa altura comecei a procurar um novo trabalho e apenas se encontravam trabalhos precários, como a agricultura e obras. Sempre gostei de trabalhar e, por isso, trabalhar nesses ramos nunca foi problema, mas sabia que para um futuro melhor teria de fazer as malas e deixar a família, os amigos e a namorada, que estava a tirar o curso de enfermagem. E assim o fiz. Trabalhei na Holanda por mais ou menos oito meses, o que não foi muito tempo pois foi complicado manter a relação com a minha namorada à distância e por isso voltei até ela acabar o seu curso, mas com a ideia de regressar. Nessa altura os trabalhos em Portugal continuavam a ser poucos ou nenhuns, e resolvi abrir um café em Alpiarça onde trabalhei por dois anos. Durante esse tempo, a minha namorada terminou o curso e foi recrutada por um hospital perto de Londres, o que alterou os meus planos. Sendo ela qualificada e tendo facilidade na língua inglesa, resolvemos que o melhor destino seria Inglaterra. Ela veio primeiro, já com o seu trabalho garantido e preparou o terreno para mim, como se costuma dizer. Cinco meses depois, em abril de 2015, faço as malas novamente para esta nova aventura. Comecei a procurar trabalho assim que cheguei, pois o meu mealheiro não me permitia ficar muito tempo desempregado. Enviei currículos para hotéis, empresas de limpeza e construtoras. Fiz dias experimentais em restaurantes e hotéis, como o Ritz, mas acabei por trabalhar por conta própria nas limpezas. Hoje trabalho com um grupo de ginásios e faço toda a manutenção dos mesmos, incluindo as limpezas.
Como descreve Londres, as suas paisagens, gentes e gastronomia?
Vivo nos subúrbios de Londres, na cidade de Romford, que fica a 16 milhas da capital, o que me mantém longe da loucura dos preços exorbitantes de Londres mas que, por sua vez, está a um “saltinho” da mesma, caso queira ir até lá. É uma cidade muito grande, comparada com Alpiarça. E, mesmo estando um pouco afastada da capital, continua a ser uma grande confusão nas estradas, supermercados, qualquer lado que se queira ir. Muito trânsito, muitas pessoas em todo o lado. O barulho de fundo, 24 horas por dia, são as sirenes das inúmeras ambulâncias que por aqui passam e carros de polícia. Londres, por sua vez, é uma cidade bonita e com imensa história e coisas para ver. Já visitei todos os sítios clássicos londrinos, mas há ainda tanto para explorar. O que já reparei foi que a mentalidade e a educação das pessoas varia em função da distância de Londres. Quanto mais longe da capital, mais amigáveis as pessoas são, mais educadas e respeitadoras. Quanto à gastronomia, é muito diferente do que estava habituado. Existe uma variedade de restaurantes turcos, indianos e chineses, mas para comer algo inglês só num pub. A gastronomia inglesa é um pouco pobre em relação à nossa mas, em particular, gosto do tradicional fish and chips e do Sunday roast, que é uma seleção de carnes e vegetais guisados.
A decisão sobre o Brexit já influenciou de alguma forma a sua vida enquanto emigrante?
Até ao dia de hoje continua tudo igual para mim. Os ingleses vão continuar a precisar de todos os europeus que vêm fazer os trabalhos que eles não querem. Existe apenas um fator que desanima um pouco, o facto de a libra ter caído, o que faz com que se tenha de trabalhar mais para compensar a desvalorização em relação ao euro. Penso que muitas das pessoas que votaram pela saída nem sabiam as consequências e agora estão a começar a ficar arrependidas. Agora é esperar para ver o que vai acontecer.
Há algum hábito típico britânico que o Miguel tenha adquirido?
O único hábito que adquiri até agora (e porque é obrigatório) é conduzir no lado contrário da estrada. Quanto ao chá com leite, que é costume aqui, não consigo habituar-me. Português que é português, gosta do seu expresso. Mas aos domingos, o meu único dia de folga, depois de muitas horas de trabalho semanal, gosto de comer um bom pequeno almoço inglês.
O que aconselharia a alguém que quer viver e trabalhar na Inglaterra, particularmente Londres?
Para quem pensa que a vida de emigrante é fácil, está muito enganado. Viver noutro pais não é sinónimo de grande riqueza, não é ter a carteira “cheia” de dinheiro sem grande esforço e sem poupança diária. Emigrar é, sim, trabalhar duro, sofrer muitas vezes, tentar adaptar-se a uma nova cultura, sentir falta da qualidade de vida que se tem em Portugal. Mas para quem não tem medo de trabalhar, há imensos trabalhos em Londres e por todo o país. Há sempre vagas para todo o tipo de trabalhos. Os portugueses, em geral, sabem fazer de tudo um pouco, o que torna mais fá- cil a procura. Existem inúmeros hotéis, restaurantes, empresas de limpeza e construtoras sempre à procura de pessoas. Para quem domina a língua inglesa, a gama de propostas ainda é mais vasta. Quem vem trabalhar para Londres tem que se preparar para saber lidar com todo o tipo de pessoas e culturas. Os seus colegas de trabalho podem vir a ser indianos, paquistaneses, polacos ou filipinos. É preciso ser tolerante e compreensível. É preciso preparar-se para pagar muito mais pelas coisas e serviços do que se paga em Portugal. Muitos impostos, burocracias e papeladas. Mas no fim de contas todo o esforço compensa, senão não estaria aqui.
Pensa regressar definitivamente a Alpiarça ou encontrou na Inglaterra um novo lar?
A minha ideia, junto com a minha namorada, Zhanna, é amealhar algum dinheiro para comprar uma casa em Portugal. Não queremos ficar presos a créditos. Nós sentimos que a nossa casa não é aqui, mas sim perto da família e dos amigos. Estamos a lutar para ter uma vida mais desafogada num futuro não muito longínquo. Sabemos que se um dia voltarmos a Portugal e alguma coisa correr mal, continuamos a ter as portas abertas aqui.
Que lhe deixa saudades na sua terra natal?
Sinto saudades de estar com a família, amigos. Saudades daquele tempo muito quente no verão, de entrar no carro e ir até à praia, sem a confusão de trânsito que existe por aqui. De não estar constantemente a correr. Sinto também saudades de comer uns bons grelhados na casa dos sogros, Natalya e Vadym. Daquelas iguarias ucranianas que eles preparam sempre que eu e a Zhanna estamos lá. De ir até a casa das minhas tias, ver os meus primos e de passar um tempo com eles na brincadeira.
Que mensagem quer deixar aos amigos e familiares que por cá ficaram?
Quero mandar um abraço a todos os familiares e amigos, em especial aos pais da Zhanna que estão sempre preocupados connosco e por vezes nos enviam aquelas coisinhas que nós não temos aqui. Não fiquem tristes que mais um tempinho e voltamos… e que não se preocupem que o casamento está para breve (risos).