“A maior dificuldade foi lidar com a situação financeira que encontrámos”

Mário Pereira é Presidente da Câmara há oito anos e anunciou recentemente que se vai recandidatar a um novo mandato. O Alpiarcense foi entrevistar o atual Presidente da Câmara Municipal de Alpiarça, numa conversa que aborda temas como as dificuldades sentidas, o programa eleitoral, o alcatroamento das ruas de Alpiarça e até, na opinião do Presidente, as qualidades necessárias para se estar na posição de Presidente da Câmara.

Conta com dois mandatos como Presidente da Câmara. Qual foi a maior dificuldade que encontrou ao longo destes oito anos?
A maior dificuldade foi lidar com a situação financeira que encontrámos, ou a situação de desequilíbrio estrutural com o excesso de endividamento, com as necessidades anuais de amortização da dívida, que nos vão limitando em grande medida a capacidade de realização. Esse condicionante impõe-se a todos os níveis. Se nós tivéssemos 1.300.000€ todos os anos a mais era extremamente tranquilizador, dava para fazer muito mais coisas, para corresponder às necessidades que as pessoas nos vão colocando, às necessidades de funcionamento e de investimento futuro do concelho. Assim não é possível. Essa tem sido a maior dificuldade.

Que diferenças sentiu entre o primeiro e o segundo mandato?
As pessoas vão ganhando experiências nas funções, nos cargos. Ganha-se uma forma mais atenta para olhar os problemas e as questões que se vão colocando e isso, à partida, é uma vantagem. No primeiro mandato, encontrando uma situação financeira difícil, tendo menos experiência do que posteriormente, mesmo assim encontrámos o Quadro Comunitário a funcionar, ou seja, tivemos condições para, reestruturando a dívida do município, conseguir fazer face às obras que estavam em curso. No primeiro mandato, para surpresa de algumas pessoas, houve uma boa capacidade de realização material, física, de equipamento e estruturas: a recuperação em duas fases da Casa dos Patudos, a construção do novo centro escolar Abel Avelino, a praça do município. Para além de outras questões como o apoio ao movimento associativo e na área social. O segundo mandato, continuando a ser marcado pelas dificuldades financeiras, é agravado pelo facto de não haver fundos comunitários disponíveis. Este Quadro Comunitário, o Portugal 2020, deveria ter começado a disponibilizar as candidaturas em 2014 e só começou em meados de 2016. Só nesta altura é que pudemos concorrer a projetos comparticipados pelos fundos comunitários. Este mandato, e em especial estes dois anos foi marcado muito por esta falta de financiamento comunitário. Nós e as outras Câmaras do país. Por um lado penso que houve melhorias em termos de aproximação com a população, o relacionamento com as várias entidades, com o movimento associativo, enfim com a comunidade em geral. Por outro, foi difícil cumprir o que se tinha em programa porque não havia fundos para isso. Os primeiros três anos de mandato foram os mais complicados para o poder local em Portugal.

Sente que os eleitores vão voltar a eleger a CDU para estar à frente do Concelho e da Câmara Municipal?
O nosso lema de campanha, que foi decidido e escolhido para Alpiarça foi “Reforçar a confiança. Cumprir o rumo”. Claro que os eleitores são sempre soberanos, eles em outubro logo o dirão. Mas temos a convicção e a confiança que há razões, pela forma como estamos na política com abertura, com seriedade, com um tratamento igual a toda a gente, e até porque nos coube esta tarefa histórica de recuperar financeiramente o município, preparando para o futuro e ao mesmo tempo conseguindo níveis de realização consideráveis neste período e de satisfação da nossa comunidade, do movimento associativo, das coletividades, da área cultural e desportiva, das escolas, etc… Com o que se fez ao longo destes anos, a CDU merece ver reforçada a confiança da nossa população para mais um mandato.

Quando é que vai ser revelado o programa eleitoral?
O programa eleitoral está a ser trabalhado, nós ainda não definimos o calendário para a apresentação pública do programa. Estávamos a contar, em traços muito gerais, ter o programa terminado no final do mês de julho.

Tem medidas que possa divulgar?
Algumas são evidentes até pelo que temos vindo a trabalhar. O programa eleitoral é sempre objeto de discussão e de estratégia. Estamos num quadro muito indefinido porque há um conjunto de situações que se encontram sobre alçada da administração central, no Estado, que querem que seja passado para as autarquias. Se isso acontecer, vai-se alterar completamente o figurino do poder local. Por outro lado, as questões de financiamento das autarquias são determinantes, temos esperança até de ver aumentar o volume de transferências do Estado para as autarquias, é um compromisso deste governo que ainda não foi realizado. Isto cria aqui um quadro de indefinição. O nosso programa eleitoral vai jogar também com isto. Não queremos vender gato por lebre e apresentar um mundo ideal ali ao virar da esquina, como eu antevejo que alguns adversários possam vir a fazer. Há aqui questões que temos vindo a referir e que são fundamentais. Como por exemplo, a regeneração urbana, que é primordial para as autarquias. E nós vamos continuar. A Câmara recebeu uma medalha de ouro da Associação de Municípios com Centro Histórico pelo trabalho que tem feito nos últimos anos ao nível do edificado urbano do centro histórico. Nós vamos continuar esse caminho. Temos o PARU (Plano Anual de Regeneração Urbana) aprovado. Temos esta obra de ampliação do Jardim Municipal, que cria alguma centralidade, e esperamos que esteja concluída ainda antes das eleições. Mas depois temos a continuidade deste plano, com a intervenção prevista do Mercado Municipal e do Largo José António Simões, por trás da bomba de gasolina, criando ali uma zona de esplanadas e de acesso pedonal. Temos a perspectiva de reabilitar a antiga câmara, o edifício onde se encontra de momento a GNR. Está incluído no PARU mas tem vindo a ser discutido com o Ministério da Administração Interna, visto que, servindo para a GNR, não faz muito sentido avançarmos exclusivamente com fundos comunitários para a reabilitação do edifício. O que faz sentido é haver um esforço conjunto entre nós e o ministério, uma vez que os principais beneficiários são a GNR e o Ministério da Administração Interna. Depois temos também, em termos de obras, mais ou menos acertado, mas já foi admitido pelo Ministério da Educação que é a requalificação total e a criação de novas valências dentro do espaço dos edifícios da Escola José Relvas. Esta obra também é para ser dividida com o Ministério da Educação. É uma obra que já se exige há muito tempo e temos, em conjunto com a escola e com a associação de pais, estado a lutar por ela há vários anos. Já foi assumido, agora falta ultrapassar alguns processos burocráticos do próprio programa operacional regional do Alentejo para vermos a obra comparticipada. Temos também, no âmbito social e na contratualização dos fundos comunitários através da CIMLT, já salvaguardada a construção de uma unidade de cuidados continuados em Alpiarça. Uma unidade de cuidados continuados no âmbito da recuperação, ou seja, para quem precisar de cuidados e que já não possa estar no hospital, mas que não tenha necessidade de ir para um lar porque ainda tem margem de recuperação. É uma infraestrutura que falta na região e Alpiarça ficou com a verba no âmbito da CIMLT para este equipamento, que resolve alguns problemas no âmbito da saúde, mas também cria emprego. Quer qualificado em termos técnicos na área da saúde, quer em termos administrativos, quer em termos também de trabalho indiferenciado. Ao nível do turismo, estamos a desenvolver um plano estratégico de desenvolvimento turístico do concelho. Há um conjunto de estratégias que vão surgir e que contamos poder pô-las em prática aquando da reformulação deste quadro comunitário. Esperamos que em 2018 haja esta reformulação, aumentando as verbas disponíveis, de modo a que os municípios se possam candidatar. Esta área não foi alvo de projetos por parte dos fundos comunitários. Queremos valorizar, ambiental e turisticamente, a área da Barragem dos Patudos e do Alto do Castelo. Temos um conjunto de projetos alinhavados na área da recuperação ambiental da barragem e do seu aproveitamento turístico. É uma área que pretendemos ver concretizada. Temos também a perspectiva de expandir a nossa Zona Industrial, que é indispensável ao crescimento económico do Concelho, como é óbvio. Estamos convencidos que é necessário a Câmara voltar a possuir um conjunto de lotes seus, para fazer face a solicitações que haja de investimento industrial e agroindustrial no concelho. A nossa ideia é claramente procurar incluir aquela área interior da zona industrial que é ocupada por um terreno agrícola. A câmara vai ter que adquirir aquele espaço e criar infraestruturas para voltar a dispor de uma capacidade de oferta de lotes para conseguir captar investimento. Ao nível da rede viária, que não se prevê que seja financiada pelos fundos comunitários, mas há um conjunto de vias do nosso concelho, quer estradas rurais quer estradas urbanas que ainda é preciso finalizar em termos de infraestruturas e de alcatroamento que fazemos questão, no próximo mandato, mesmo com fundos próprios, de concluir. É um aspeto importante. Um princípio fundamental é continuarmos a manter o apoio ao movimento associativo e talvez aumentá-lo de ano para ano. Este apoio tem dado resultado porque a comunidade está viva, está interventiva. Os clubes e associações têm muitas atividades e por isso é fundamental manter esse apoio. Nas outras áreas é algo que ainda está a ser trabalhado.

Falou no alcatroamento das ruas. Houve várias críticas aos trabalhos que se fizeram recentemente. Como é que lidou com essas críticas?
Uma coisa que estranhei foi que, de um momento para o outro surgiu uma quantidade enorme de especialistas em alcatroamento. Sobretudo nas foras políticas adversárias, eram quase todas/todos especialistas em alcatroamento, mesmo nunca tendo visto o alcatrão à frente. De facto a intervenção era basicamente esta, ou seja, aquilo que nós tínhamos condições para fazer, porque isto depende da condição que temos a cada momento para fazer as coisas, porque é a tal história, se eu tivesse todos os anos mais um milhão e trezentos mil euros, que é o dinheiro que eu tenho de pagar pela situação que encontrei, não foi por dívida que nós tenhamos feito, foi por dívida que o PS fez, esse milhão e trezentos mil euros dava para muita coisa, muito alcatrão e dava para pôr uma camada de muitos centímetros de alcatrão em cada rua, se fosse o caso. Como a realidade não é essa, como esse dinheiro devia ser para isso, era para pagar a dívida que o PS deixou, então nós temos de nos adaptar à realidade, e aquilo que estava previsto era uma película de desgaste, os tais dois centímetros de alcatrão de desgaste e foi isso que foi feito. Agora, eu também reparei num conjunto de imperfeições na empreitada, assim como eu reparei, parte das pessoas repararam e os nossos serviços técnicos também foram fazer o levantamento e já reportaram à empresa, e a empresa tem um vínculo contratual com a câmara que obedece a um conjunto de requisitos e aquilo que não for cumprido nós estamos a discutir neste momento com a empresa, portanto ou é cumprido ou temos de avançar para outras vias e a parte que nos cabe (o pagamento) está condicionada à execução correta dos trabalhos, há cauções, etc. Portanto, nós avançaremos com aquilo que tivermos que avançar para ver salvaguardados os interesses do município. Há de facto questões que não funcionaram bem. Como é evidente, aquilo que estava previsto era esta camada de desgaste e está melhor do que o que estava porque foram aquelas ruas que nós recebemos também, numa situação de excesso de endividamento sem financiamentos comunitários para aquele tipo de intervenções, sem os meios próprios para as fazer. Neste momento, conseguimos encontrar uma “folgazinha” para colocar aquela camada de desgaste nas ruas que estavam mais necessitadas. No interior urbana, porque depois ainda temos na área rural e o fecho de algumas zonas que terá que ficar para os próximos anos.

Quais são as qualidades necessárias para ser Presidente da Câmara?
Isso é difícil… Eu acho que as principais qualidades serão o bom senso, seja isto o que for, que não é fácil definir o que é isto do bom senso, ou seja, é nós olharmos para as situações, problemas que surgem porque as outras que não são problemas são fáceis de resolver, são muito simples, agora aquilo que são mesmo problemas, nós temos de olhar para eles com alguma serenidade e procurar encontrar o equilíbrio entre o problema em questão e o interesse geral que lhe está associado. Portanto, isto tem de ser muito bem ponderado e isso é… isto é difícil, não sei se me estou a explicar bem, se calhar não, mas eu acho que é a mais importante qualidade – a questão do bom senso. Olharmos para cada um dos problemas e procurarmos encontrar a solução que vá ao encontro do interesse geral e perceber qual é o interesse geral em cada momento e isto não é fácil. Esta, para mim, é a principal qualidade. Depois, é preciso ter convicção e ter alguma formação política, ideológica. Num período em que as referências ideológicas fortes são cada vez menores, eu acho que é importante qualquer presidente da câmara estar vinculado a um projeto político, neste caso um projeto político autárquico que também ele vá ao encontro do objetivo de criar uma sociedade mais igualitária, mais justa, mais progressista. E eu acho que nesse campo, de todos os projetos autárquicos que existem, o mais consistente é o projeto autárquico do PCP e da CDU e é a ele que eu estou vinculado, eu e os meus camaradas que estão aqui na câmara e acho que é esse que nós temos de honrar. No fundo, esta segunda qualidade – convicção num projeto autárquico que vá ao encontro de uma sociedade mais justa, mais progressista, mais igualitária, acho que é fundamental. A alternativa a isto são os interesses individuais, particulares, que temos aí experiências pelo país fora que moveram algumas pessoas ao longo de vários anos, que deram também resultados como aqueles que nós conhecemos e que vemos às vezes aí na televisão. O presidente da câmara é uma pessoa de trate, deve gostar da sua terra, da sua gente e tem de procurar fazer o melhor que saiba para ir ao encontro das aspirações e das necessidades da sua população. Isto assim para não entrar em aspetos mais particulares.

Num plano mais pessoal, como é que gere o tempo para a sua vida familiar, para a política, para o trabalho… Como é que faz essa gestão de tempo?
Não é fácil, não é fácil. Para além daquela ação mais rotineira, mais administrativa que também está associada aos cargos públicos, há todo um conjunto de ações de âmbito político e esporádico de acordo com as circunstâncias. Isto retiro muito daquele tempo que normalmente se considera para a vida familiar e pessoal. Basta dizer que a nossa ação não se esgota no período da semana, por norma até é ao fim de semana que há mais atividades da comunidade ou da própria autarquia/s ou junta de freguesia, nas quais o presidente da câmara normalmente tem de estar, convém estar e tem de estar, porque, ainda por cima numa terra como a nossa, as pessoas valorizam isso e é importante este laço que se cria. Para além de que as ações mais político-partidárias que são muito frequentes (reuniões, conferências, encontros). Isto para voltar àquilo que disse no início, não é nada fácil. Nós, no meio desta vida e das solicitações todas que temos, conseguirmos acompanhar da melhor forma a nossa família, os nossos amigos, com alguma racionalidade vai-se conseguindo. Mas eu, sinceramente, acho muito difícil e às vezes tem custos a esses níveis, mas acho que mesmo assim a minha grande preocupação é limitar esses custos do ponto de vista pessoal e familiar, do acompanhamento, ainda para mais quando se tem filhos, crianças e adolescentes, os meus já apanharam as duas fases, quando vim para aqui eram crianças os dois e agora são os dois adolescentes, eles só têm um ano de diferença, com os percursos escolares, a vida social, desportiva… não e fácil mas procuro dar sempre esse apoio e esse acompanhamento à família quando se consegue.

No seu tempo livre que música é que ouve?
(Não estava à espera dessa) Gosto muito de música, gosto de estilos muito variados de música. Gosto de música popular portuguesa, gosto de algumas coisas de música erudita, gosto até de folclore, é um facto, de fado, gosto daquela música de intervenção portuguesa, José Afonso, Sérgio Godinho, mas eu fui mais formado naquela onda anglo-saxónica do rock and roll e do rock sinfónico dos Pink Floyd, um dos meus grupos preferidos, Jerseys Supertrump, depois, noutra área, mas ainda no folk americano, o Bob Dilan, Neil Young, Bruce Springsteen, são as minhas principais referências em termos musicais, embora tenha gostos muito variados.

Quanto a hobbies, tem alguns?
Tenho, eu até tenho vergonha de dizer isto (gesticula com os braços, indicando que se sente fora de forma) mas sempre fui muito ligado ao desporto embora agora seja cada vez mais difícil. Mas, para além desta parte, gosto de ouvir música, gosto de cinema também e depois gosto muito de desporto e sobretudo futebol, embora acompanhe agora com mais distanciamento tudo o que tem a ver com o futebol, já fui completamente viciado em futebol mas libertei-me disso aqui há uns anos, mas gosto muito e gosto de praticar quando posso. Mas é muito intermitentemente, não consigo como antes uma regularidade, mas pelo menos tento uma vez por semana ir jogar uma futebolada com amigos ali ao campo do complexo desportivo.

No futuro, que se pode designar a médio/ longo prazo, o que é que pensa fazer?
Vai voltar a lecionar ou vai seguir uma carreira política? Nós, no PCP, na CDU olhamos para os cargos que somos chamados a desempenhar ou que somos eleitos sempre com esta perspectiva que é temporário, não se é presidente da câmara, está-se presidente da câmara, ou presidente da junta, ou vereador, ou deputado, ou seja outra coisa qualquer, e é mesmo assim, é um facto, é assim para toda a gente. Portanto, eu sou professor de história e a perspetiva que tenho é simplesmente esta, quando deixar de ser presidente da câmara, em princípio, o que tenho como mais certo é voltar à escola a dar aulas.

Aqui em Alpiarça ou fora?
Eu, neste momento, estou colocado em quadro de zona, posso ficar colocado numa escola da região mas tenho uma escola de referência onde fui colocado da última vez, em resultado do concurso, que é o agrupamento de escolas de Fazendas de Almeirim. Agora há outro concurso a decorrer, eu tive de concorrer outra vez e ainda não saíram os resultados mas será na escola onde eu ficar na sequência deste concurso onde eu terei de me apresentar, independentemente de eu voltar a ficar na câmara, vou lá e preencho os papéis e sou automaticamente substituído por outro colega que é lá colocado.