Francisco Camilo: de “vândalo” a artista de rua

No que toca ao grafiti, existe uma linha ténue que separa o vandalismo da arte, por isso nem sempre é fácil dizer onde começa um e acaba o outro. Resumindo, pode afirmar-se que o trabalho de artistas como Francisco Camilo deixou de ser considerado vandalismo quando os seus serviços passaram a ser requisitados e pagos, em vez de vaiados e repudiados.

Quando começou a interessar-se pelas artes plásticas?
Desde pequeno, na verdade. Foi um processo que me acompanhou “desde que sei que sou gente”. A primeira coisa que disse que queria ser era pintor, o gosto foi crescendo mais, e acabei por ir para artes na escola secundária. Após isso, fui para Arquitetura um pouco por vontade da família, mas, passados três anos, congelei o curso e fui tirar pintura na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Isso aconteceu há dois anos e, desde então, tenho dividido o trabalho entre as várias encomendas, festivais e exposições.

Que tipo de formação tem na área artística e quando concluí essa formação?
Comecei um curso de desenho e pintura para jovens, aos 12 anos e acabei aos 18. Aos 18 já estava a ser ensinado, particularmente, por alguns pintores como o José Quaresma ou César Pires, isto lado a lado com a escola secundária, que concluí em 2008. Depois, fui fazendo alguns cursos de verão enquanto fazia a licenciatura e mestrado em arquitetura (sem a concluir), como o curso de urban sketchers ou curso avançado de retrato. Quando fui tirar pintura nas Belas Artes, em 2011, começaram as pequenas encomendas: desde logos a pinturas em restaurantes, pequenas exposições e ilustrações de livros. Acabei esta licenciatura em pintura em 2015.

Que tipo de técnica e materiais usa para a consecução do seu trabalho?
Uso de tudo, dependendo do que estou a pintar; em tela até areia já usei. Trabalho, na maioria, com acrílicos quando pinto em tela, secam mais depressa que os óleos e eu gosto disso. Mas também uso tinta acrílica na parede quando sinto necessidade disso. Em parede, o material de eleição é spray, sem dúvida uma ferramenta ótima: é rápido, consistente e já existem centenas de cores. No entanto, para trabalhos de desenho ou ilustração uso bastante o carvão, os marcadores e as aguarelas, tenho um gosto particular por este tipo de técnicas.

Como surgiu a oportunidade de pintar em Alpiarça?
Fui contactado para tal, a pessoa em questão ficou a conhecer o meu trabalho meses antes.

Acha que a arte urbana já atingiu o seu pico de popularidade?
Penso que ainda não, mas pode ser uma realidade nos próximos anos. Este tipo de trabalho está a disseminar-se a uma velocidade caótica (e eu gosto disso, na verdade) em muitos locais de todo o mundo. Pode chegar um momento em que haja uma saturação visual, e aí poderemos tirar as nossas conclusões desta experiência social. No entanto, penso que a arte tem esta capacidade de se transformar segundo os contextos e estar sempre na vanguarda, tal como agora é street art e já não se usa muito o conceito grafitti, o dia de amanhã poderá trazer algo mais fresco.

Qual é o futuro, ou a evolução, da arte urbana?
Penso que está, cada vez mais, a haver um melhoramento dos trabalhos que se fazem, mesmo os mais corrosivos e ilegais parecem mais pensados, mais críticos. Deixa-me a pensar que esta mudança para a street art (arte urbana) e assim adiante levará a que os trabalhos futuros sejam mais pensados segundo a arquitetura, e que um casamento feliz entre os dois possa acontecer para que cada cidade se torne num ser com uma estética muito própria, diretamente ligada à sua malha urbana; mais fluidez na arte, misturando também um novo nível de escultura, pintura, arquitetura, paisagem, etc. Este conceito estudei-o, tanto em pintura como em arquitetura, e deixa-me a pensar na teoria de que nos estamos a aproximar de uma nova era do gótico, depois da limpeza e clarificação da arquitectura do pós-Segunda Guerra Mundial e da estruturação de edifícios altos de fachada lisa.

E Alpiarça? Ainda há território com potencial para ser explorado nesse sentido?
Penso que sim. Este tipo de cultura não tem, propriamente, o peso que consegue nas grandes cidades e é bastante interessante pegar em cidades que ainda são autênticas telas brancas e colocar as pessoas diretamente em diálogo com este tipo de trabalho. Tenho visto uma aceitação incrível a este nível em Portugal.

 


Ser um profissional do mundo das artes é um tanto ou quanto agridoce porque há quem não dê o devido valor à profissão e ao seu executante. Depara-se com essa realidade no seu dia-a-dia?
Felizmente já me deparei mais. Penso que o percurso de um freelancer será sempre assim e isso traz motivação para continuar sempre a escalar e a progredir. Nos primeiros anos gastava muito dinheiro em materiais e não conseguia retorno com vendas, depois começaram a comprar-me alguns trabalhos e as coisas evoluiram para uma agenda cheia, neste momento, com necessidade de aumentar os preços pelo tempo que os trabalhos me levam, idas ao estrangeiro para pintar, etc. No entanto, isso não exclui o facto de que vou sempre ouvir todo o tipo de opiniões em relação ao valor ou apreciação que possam fazer do meu trabalho. Vivemos num mundo com muitas pessoas, muitas mentes e muitas opiniões, penso que isso nos enriquece. Às vezes é preciso ouvir um “não gosto”, às vezes é preciso ouvir um “gosto”.

Por fazer arte relacionada com o grafiti, já alguém o classificou – a si ou ao seu trabalho – de marginal?
[risos] Sim, claro. Mesmo com comissões, a pintar durante o dia, a maioria das pessoas passa e adora, mas há sempre pessoas que passam, dizem mal e vão-se logo embora para não argumentar essa opinião; só tenho que respeitar, claro. No entanto, já aconteceu algo caricato, como estar a pintar em Lisboa, durante o dia, passar o carro da polícia e o agente dizer: “ao menos escreve aí SLB forever!”

Tem algum sonho profissional que gostasse de ver realizado?
Tenho, ainda é algo um pouco íntimo mas ando a conceber uma história de fantasia que vou começar a relatar com a minha arte nas paredes, por enquanto de forma um pouco dissimulada. Seria de sonho, portanto, se um dia fizessem um filme dessa história. Mas é algo que não me preocupa, de momento. Tenho que dar mais consistência e amadurecimento a essa ideia. É uma história que conta a capacidade que cada um de nós tem, individualmente, como ser consciente, de se fragmentar em vários seres e viajar para outros mundos, dessa forma. É uma história sobre a redescoberta dessa capacidade em cada um de nós; óbvio que isso traria argumento e “pano para mangas” num mundo tão divergente como o nosso.